terça-feira, 16 de dezembro de 2014


Memórias do  Natal

               Ivone Boechat


   O Natal sempre foi o melhor dia de nossa infância... Papai já amanhecia à procura de um pinheiro que poderia ser qualquer árvore, desde que bonita. Era o que não faltava em Santo Aleixo.  Agora, ele saía à procura de um latão de vinte litros de banha. A gente ali, querendo ajudar, atrapalhava o dobro. Para falar a verdade, já botei a lata na cabeça e só não entrei lá dentro, porque tive medo.
   Na hora de “plantar” o pinheiro que ia virar árvore de Natal, quanto susto ! Plantava de um lado, caía do outro. Quando o pinheiro ficava firme, era uma festa! Era transportado para um canto, bem próximo do púlpito e aí vinham as recomendações :
   -Não fiquem perto, o pinheiro pode cair.
Como não ficar perto ? O ideal mesmo era ficar em cima dele, debaixo, do lado, mas longe, nem pensar ...
    O melhor de tudo era ver enfeitar a árvore. Sininhos, bolas, lindas estrelas e quantos sonhos... Minha mãe fazia dezenas e dezenas de saquinhos de papel crepom coloridos e enchia de doces e balas. Tudo ela fazia. A criançada, eufórica, não desgrudava, até a hora final.
No dia vinte e cinco de dezembro, a multidão ia chegando para o culto que começava, às dezenove horas e trinta minutos, britanicamente.
    No templo havia um órgão de pedal velho, que a professora Elzira Pinto tocava, um coral de crianças e outro oficial da Igreja.     Muitas peças representadas, num palco improvisado (a cortina sempre enguiçou) e as crianças tinham que seguir à risca as recomendações: não podiam rir. Era proibido. Isto sim era difícil para a criançada. Imagine um “irmão” de cavanhaque postiço, de saia, representando um mago? Era realmente uma “comédia”. Tão logo começava o culto, quem fosse fazer uma “comédia”, tinha que ficar preso numa sala quente, fechada, com roupas de papel crepom ou enrolado em lençóis, com turbante, esperando a hora de entrar. A gente suava e não podia sentar, senão amassava o traje. Mas, o pior ainda viria. Era o momento de subir ao palco e não rir. E o medo de esquecer o papel? Um dia, ri, a ponto das cortinas serem fechadas e ali apavorada levei uma bronca histórica. Abriram-se as cortinas, com fiscais para todo lado, vigiando para a gente não rir. De cabeça baixa, sem olhar para ninguém, falei minha parte, sai dali e fui chorar. Também, de moringa na mão, turbante, enrolada num pano, olhando as colegas daquele mesmo jeito, quem não ria ?
 Para evitar constrangimentos, no outro Natal deram-me um monólogo para fazer. Por trás da cortina, ficava a irmã Ulda com o “ponto”. Esqueci tudo. Não me deixei abater, inventei novo texto, ali, na hora! Fui criada ouvindo falar textos de Natal, era só sair falando. Deixei o “ponto” desesperado, mas, ao final, ganhei um abraço e muitos elogios dessa irmã.



               (Extraído do livro Memórias de uma Filha de Pastor)

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