Amanhecer 4a.edição 2014 RJ
sábado, 16 de fevereiro de 2019
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019
Textos inúteis - Ricardo Boechat
Ivan Dutra de
Faria
Doutor pela UNB
Mestre em Planejamento e Gestão
Consultor Legislativo no Senado Federal
Doutor pela UNB
Mestre em Planejamento e Gestão
Consultor Legislativo no Senado Federal
A gente
talvez tenha se conhecido. Quem sabe a gente tenha jogado a mesma pelada em
campinhos improvisados – no mesmo time ou não. Mas certamente tomamos banho no
mesmo rio, o do Pico.
Ele amava
Santo Aleixo, onde tinha uma propriedade à beira do rio. O santo deu nome ao 2º
distrito do município de Magé, onde havia um núcleo da honrada família Boechat,
que chegou ao Brasil vinda dos Alpes pelos caminhos de Friburgo, de Cordeiro,
de Itaperuna e de outros graciosos locais
daquela serra,.
Certa vez,
Santo Aleixo ganhou o apelido de “Moscouzinho”, algo bastante compreensível e,
de algum modo, previsível. Ocorre que a vida da cidade era regida pelo
funcionamento de duas fábricas têxteis – uma delas, propriedade de alemães e a
outra de nordestinos. Não foi surpreendente, portanto, a formação de um forte
núcleo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) naquele lindo lugarejo, plantado
ao pé da Serra dos Órgãos.
Construída
predominantemente de forma mesopotâmica, Santo Aleixo tinha no rio do Pico e no
rio Andorinhas os verdadeiros regentes do cotidiano daquela boa gente, talvez
mais do que nos apitos das fábricas.
José Muniz de Mello e Emiliano Boechat eram vizinhos frontais. Seu Juquinha Mello, comunista histórico, da primeira leva, e o Pastor Emiliano eram amigos fraternos. O que parece surreal aos tuíteiros de hoje, envolvidos na minúscula tarefa de dar cor à sua verdade, negando a possibilidade da pluralidade de ideias e da fraternidade entre adversários de pensamento, era não somente possível, mas exercitado com gentileza - se não por todos, certamente por muitos.
José Muniz de Mello e Emiliano Boechat eram vizinhos frontais. Seu Juquinha Mello, comunista histórico, da primeira leva, e o Pastor Emiliano eram amigos fraternos. O que parece surreal aos tuíteiros de hoje, envolvidos na minúscula tarefa de dar cor à sua verdade, negando a possibilidade da pluralidade de ideias e da fraternidade entre adversários de pensamento, era não somente possível, mas exercitado com gentileza - se não por todos, certamente por muitos.
Devastado
por um câncer incurável, o velho comunista teve o conforto diário do digno
pastor, até o seu último dia neste plano. O Evangelho e o Manifesto comunista
não se digladiavam, pois a amizade, a fraternidade e a biografia conjunta não
admitiam se reduzir a algo menor, ao menos em tais condições.
Juquinha
Mello, meu avô materno, e Emiliano Boechat, do mesmo clã do Ricardo, eram
amigos. Isso basta para quem tem ética, honradez, decência.
Ricardo
nasceu em Buenos Aires e eu na Tijuca, apenas cinco dias antes dele. Ele
estudou o 2º grau no Centro Educacional de Niterói e eu, vizinho frontal, no
Liceu Nilo Peçanha. Apenas os poucos metros da Avenida Amaral Peixoto separavam
o nosso cotidiano.
Cancerianos
separados por tão poucos dias, vivíamos então em margens distintas de um rio
povoado de automóveis. Mas estávamos juntos nos mesmos momentos que marcaram as
nossas vidas de estudantes secundaristas do final da década de 1960 no Brasil.
Tivemos os mesmos heróis.
Não nos
conhecemos, Ricardo, que pena.
Mas, para mim, a sua morte foi a de um velho amigo - ético, honrado e decente.
O que me consola é a certeza de que você está no Pico.
Mas, para mim, a sua morte foi a de um velho amigo - ético, honrado e decente.
O que me consola é a certeza de que você está no Pico.
Assinar:
Postagens (Atom)